Experiência literária: Redoma + A Redoma de Vidro
Uma força que paralisa. Aprisiona. Impede de seguir em frente. Pode ser por um trauma, indefinições do futuro, questões de identidade e diversos outros fatores. A depressão está entre nós. Não tem idade, gênero ou classe social. É uma doença silenciosa. O “mal do século XXI”, de acordo com a OMS. Por isso, é preciso falar, debater e ler. É preciso estar atento aos sinais. É preciso procurar ajuda especializada e indicar, caso seja com alguém próximo. É preciso sair da Redoma!
A literatura tem poder. Fortalece. Através da ficção, podemos ver outros lados. Conhecer outras histórias. Se colocar no lugar do outro para, de fato, mudar os nossos pensamentos, o nosso agir.
Recentemente, terminei uma leitura simultânea de dois livros que versam sobre a depressão. Redoma, de Meg Wolitzer, publicado pela Editora Alt e A Redoma de Vidro, de Sylvia Plath, publicado pela Biblioteca Azul. Diferentes em gêneros, tempos e estilos, apesar de Redoma trazer para o público jovem a figura de Plath, ambos vão abordar a doença e levantar as discussões que transcendem as páginas.
Foram duas leituras tão gratificantes que apenas resenhar não foi o suficiente para descrever esta experiência. Por isso, ao longo desta semana, vou contar sobre como cheguei a estas duas obras, como foi ler em conjunto, irei divulgar as resenhas de cada publicação, além de apresentar os quotes que mais me marcaram.
Sejam bem-vindos! Espero que curtam esta experiência comigo.
Como cheguei aos livros
Raramente, ou quase nunca, comento aqui no Vai Lendo como um livro chega até as minhas mãos. Não falo porque tento ser o mais impessoal possível nas minhas resenhas. E também porque nem sempre eu sou o público-alvo de determinada publicação. Por mais que eu tente avaliar com o leitor, é difícil falar que me identifico com tal personagem, por exemplo.
No geral, sou bem eclético e, às vezes, nem leio a sinopse. Gosto de ser surpreendido e acredito no acaso das leituras. Gosto também de diversificar os gêneros. Em alguns momentos, inclusive, creio que os livros me escolhem.
Redoma foi um flerte antigo. Em 2015, no início da Bienal do Livro do Rio, houve um evento da Globo Livros para lançar o selo Globo Alt (hoje, Editora Alt), na Livraria Travessa do Shopping Leblon. Na época, não éramos parceiros da editora. Nos despencamos do Riocentro, na Zona Oeste do Rio, para a Zona Sul em uma sexta-feira chuvosa. Não é um trajeto curto, não tinha metrô nem BRT, na época, e encaramos o engarrafamento.
Percurso longo. Trânsito intenso. Clima que não ajudava. E ainda pegamos um motorista estressado. No fim, ele estava tão sem paciência que tentou fazer uma irregularidade, para andar no meio do caos, e acabou batendo num motoqueiro. Nada grave, felizmente. Amassou só a porta dele (do motorista). A minha sorte e da Ju – na época, namorada – é que o acidente foi na rua do shopping aonde fica a livraria e conseguimos chegar a tempo do evento.
E olha que quase não fomos ao lançamento. Estávamos exaustos. Um perrengue atrás do outro, mas tem coisa que é para ser. Chegando lá, ainda conseguimos pegar o evento no início. E foi ótimo! Mas o melhor de tudo é que fomos sorteados (algo que nunca acontece) e ganhamos uma bolsa com uns oito títulos do selo Globo Alt!
Na época, me interessei por Redoma, mas, naquele momento, outros títulos também chamaram a minha atenção e a obra de Meg Wolitzer acabou ficando de lado, esquecida na estante. Eu e a Ju casamos. Mudamos de apartamento e de bairro. Nos tornamos os pais do Theo. Veio a pandemia… e o livro estava lá.
Tinha terminado de jantar – a mesa aqui em casa fica de frente para as nossas estantes de livros – e o Redoma me encarava. Com poucos lançamentos das editoras e muita coisa para fazer em casa (temos um bebê com menos de um ano) e no Vai Lendo (depois da chegada do Theo, reformulamos o site e ficaram algumas pendências), estava decidido a dar um tempo nas leituras. Coisa rápida. Um mês, talvez.
Entretanto, quando vi o Redoma, pensei “por que não?”. Um leitura jovem é sempre mais fluída. Não tomaria muito do meu tempo e não lia nada do gênero fazia, acho, mais de ano. Confesso que o marketing da capa chamando atenção que Redoma tinha sido eleito “o livro jovem do ano”, combinado às aspas bem elogiosas da contracapa – sempre vão ser, é claro , mas gostei do que os outros veículos escreveram -, me convenceram. Fiz uma leitura dinâmica da sinopse: “… garota… perdeu o namorado… não superou… foi para um internato para adolescentes emocionalmente frágeis…”. O.K.! É o suficiente. Vou começar a ler.
Li as primeiras páginas e a leitura não me pegava. A narrativa seguia à risca a cartilha de literatura adolescente. Previsível demais. Não sabia se eu estava chato ou impaciente. No entanto, quando a obra de Sylvia Plath é apresentada logo no começo para a protagonista – ela e os colegas de classe iriam trabalhar a autora ao longo do semestre -, eu parei e pensei: “esse livro tem algo de diferente…”.
Dei uma olhada na capa de Redoma e vi que a imagem de A Redoma de Vidro estava lá. Não era por acaso. Tinha um propósito. Como eu não conhecia muito a obra de Plath, na verdade, apenas umas três linhas de sua biografia, devido a uma resenha que uma ex-colaboradora do Vai Lendo fez do Os Diários de Sylvia Plath, encarei esse encontro como um chamado.
Sei que a literatura jovem serve muito para apresentar os clássicos a uma nova geração e não necessariamente teria que conhecer Plath para ler Redoma. Mas, não sei se pela minha idade (33 anos), ou por ainda não ter engatado na leitura do Y.A., tive a ideia de ler A Redoma de Vidro também. Ao mesmo tempo. Algo que nunca faço, pelo medo de não conseguir focar em ambas as narrativas ou acabar preferindo uma e abandonando a outra.
A experiência de leitura
Assim como Jam, protagonista de Redoma, ia se aprofundar em Sylvia Plath nas aulas de “Tópicos Especiais em Inglês”, eu iria ler A Redoma de Vidro com a personagem. No começo, a ideia era essa: Jam lia os primeiros dois capítulos da obra de Plath, e eu também. Entretanto, no decorrer da leitura, as aulas de Tópicos Especiais em Inglês saíram um pouco da prosa e foram para os poemas. Com isso, eu tive que fazer uma adaptação ao meu projeto de leitura: lia capítulos intercalados de uma obra com a de outra, de modo que eu estivesse sempre à frente em A Redoma de Vidro. Acabei lendo uns poemas também, não muitos.
Mesmo a experiência não saindo como eu previa, devo dizer que foi algo incrível. Terminei as leituras fascinado e agradecendo ao acaso por me proporcionar este momento, esta experiência literária.
Os dois livros abordam a depressão sobre diferentes aspectos para diferentes públicos. A combinação dos dois foi algo enriquecedor. Enquanto mergulhei na mente depressiva de Plath e pude entender melhor aqueles que são acometidos por essa doença, através de Jam vi uma esperança de mudança. Superação.
Ler os dois simultaneamente foi fundamental para ter um equilíbrio. Enquanto A Redoma de Vidro é um livro denso, Redoma trazia uma certa leveza, e até uma magia, para tratar o tema. De certa forma, foi bom porque tendemos a absorver o texto na leitura.
Por mais que tenha ficado fascinado com a escrita e a verdade que Plath passa em sua narrativa, em alguns momentos, precisei fechar o livro. Respirar. Era como se você ouvisse um pedido de socorro e não pudesse fazer nada. Me senti mal! Nesses momentos, partia para a leitura de Redoma e acompanhava o processo de recuperação de Jam.
Cada um à sua maneira, Redoma e A Redoma de Vidro ganharam um espaço no meu coração. Por mais que seja preciso, necessário, falar sobre depressão é muito difícil. O enriquecedor desta experiência é poder ver a versatilidade na abordagem do tema. Ver que a depressão pode ser debatida para diferentes públicos, sobre diversos aspectos e, ainda sim, existirem múltiplas possibilidades.