Entrevista: Mary del Priore
Em entrevista ao Vai Lendo, a escritora e historiadora Mary del Priore fala sobre a sua coleção ‘Histórias da Gente Brasileira’, traça alguns paralelos e defende o interesse do brasileiro por História
O talento para contar histórias. Mas não qualquer história. A nossa história. As nossas raízes e origens. E de uma maneira bem brasileira. É assim que a escritora e historiadora Mary del Priore consegue aproximar o passado do nosso país com o presente e também com o futuro. Isso porque suas impressões, seus estudos e suas pesquisas estão imortalizadas em seus livros. Como na série Histórias da Gente Brasileira, publicada pela editora LeYa, cujo novo volume – relacionado ao período do Império – foi lançado recentemente.
Declaradamente contrária à premissa de que os brasileiros não se interessam por história, em sua nova coleção literária, Mary nos traz uma visão mais informal da cultura de nossos antepassados, com curiosidades acerca de seu cotidiano que geralmente nos passam despercebidas. Para ela, é importante tornar não apenas a leitura, mas principalmente a história acessível a todos, de maneira objetiva e, ao mesmo tempo, prazerosa.
“Meu objetivo sempre foi o mesmo: democratizar o conhecimento sobre história”, declarou Mary em entrevista ao Vai Lendo. “Dar prazer ao leitor. Convidá-lo a viajar no tempo, sem o risco de uma linguagem difícil e, por vezes mesmo, ininteligível. Contrariamente a muitos, sou dos que acreditam que os brasileiros gostam de história. Gostam de saber sobre seus antepassados, fatos diversos, heróis e bandidos. A nossa história é como um grande romance. Só que um romance verdadeiro e que tem de tudo: ambições, traições, paixões. Por que não oferecer ao leitor um produto de qualidade, baseado em pesquisas e leituras, e que o ajude a interpretar seu país?”.
Ex-professora de História da USP e da PUC/RJ, Mary sempre tenta trazer novos pontos de vista a respeito de assuntos específicos da História. Autora de 37 livros – abordando os mais variados temas, desde o sobrenatural, o espiritismo, passando pela mulher brasileira até as nossas próprias raízes -, ela encontra a sua inspiração nas pesquisas que antecedem algum projeto em que colabora, nos próprios estudos e também nos leitores, que acabam enviando e cedendo documentos.
“Por vezes, esse processo começa a partir dos projetos editoriais com os quais colaboro e formato – caso desta tetralogia – ou, no caso das biografias que fiz, a pesquisa antecede o texto”, explicou. “Temos arquivos riquíssimos e maravilhosos onde sempre encontramos novas informações sobre velhos assuntos. Muitos leitores gostam de colaborar enviando e cedendo documentação proveniente de arquivos privados. Procuro, então, desconstruir situações, mostrar novas faces de um mesmo personagem ou novas versões para um fato. Exemplo disto foi o livro que fiz sobre a Princesa Isabel, O Castelo de Papel, em que provo, graças à documentação encontrada no arquivo do Museu Imperial e nos Arquivos Reais da Bélgica, que ela só se interessou pela escravidão três meses antes de assinar a Abolição. Nunca foi a ‘abolicionista’ com que os monarquistas lhe consagraram a memória”.
Quando falamos de História, geralmente, o passado e o presente se relacionam e podem nos dar algumas perspectivas futuras. No caso do Brasil, e pegando o gancho da mais nova obra de Mary sobre o Império, podemos notar alguns reflexos desse passado no nosso atual comportamento cultural, político e social. Para a historiadora, é possível traçar vários paralelos entre a nossa realidade e as épocas anteriores.
“O período regencial, por exemplo, foi assolado por rebeliões e um sentimento de insatisfação que atingiu vários grupos do alto a baixo da sociedade”, comparou. “A preocupação das autoridades com a educação não era das maiores. Apesar da abertura de escolas para crianças de elite, os pobres continuavam sem professores e esses, sem salário ou bibliotecas. No campo da saúde, a febre amarela, hoje, zika, continuava matando populações inteiras. O saneamento seguia extremamente precário, e a maioria das casas não possuía esgotos ou água encanada, o que multiplicava a falta de higiene e doenças. Portanto, fenômenos permanentes e muito negativos. No campo das mudanças, porém, chegaram muitas novidades: no mobiliário, na arquitetura, no lazer, na indumentária e na moda, na alimentação, nos esportes e no lazer.
E, em tempos de crise econômica e de instabilidade política, impossível não querer saber como seria um livro sobre esse momento tão atribulado da nossa história. Mary, por sua vez, respondeu prontamente: um grande estudo sobre a corrupção, do alto ao baixo da sociedade. E ainda ressaltou que esse problema não vem de “hoje”.
“Não só a corrupção de partidos e políticos, mas de cidadãos comuns sob suspeita”, indicou. “A corrupção é um sistema que envenena a sociedade. Que nos torna insensíveis à ética e aos valores humanistas. Encontramos indicações de que ela estava enraizada, entre nós, desde a documentação colonial. Numa carta de um senhor de engenho, escrita no início do século XIX, encontrei uma palavra engraçada para definir ‘pixuleco’: ‘chupancinha’!”.
Para aqueles que desejam se aprofundar mais em nossa própria história, Mary adiantou algumas novidades sobre o próximo volume da coleção Histórias da Gente Brasileira – sobre o período republicano – , que tem lançamento previsto para este ano.
“O terceiro volume é o estudo da República Velha, a partir de memorialistas e escritores brasileiros”, afirmou. “De Érico Veríssimo a José Lins do Rego; de Thiago de Mello a Adalgisa Néri, todos contando como viveram as primeiras décadas do século XX. O interessante é que eles estavam mais preocupados com a chegada do rádio e do cinema falado, dos carros e dos ‘dancings’, do que com a ditadura de Getúlio ou a Revolução Constitucionalista. No estudo das memórias, percebe-se que a vida cotidiana, com suas mudanças e transformações na privacidade, tinha muito mais sentido para as pessoas do que o cenário político com seus golpes e quarteladas. Penso que há milhares de brasileiros, não necessariamente historiadores, mas donas de casa, advogados, médicos, artistas e profissionais liberais que gostam de ler e de conhecer a história. É para eles que escrevo. São eles os meus convidados para a viagem ao passado, da maneira mais agradável e bem escrita possível!”.
Um comentário
Marcos Antônio da Fonseca Rodrigues
Sou apaixonado por História. Principalmente do Rio de Janeiro. Li os dois primeiros volumes da coleção Histórias da Gente Brasileira e o Castelo de Papel, sobre a Princesa Isabel. Estava aguardando a chegada do próximo volume (03) que para minha surpresa, há ainda o volume 04! Sou formado em História/Licenciado e Pós-Graduado (especializado) em História do Brasil República, pela Universidade Estácio de Sá aqui no rio de Janeiro, embora não tenha a prática do ensino de História. Espero um dia alcançar um pouquinho deste patamar. Aproveito para parabenizar a autora, pelos livros publicados, que saem daquela didática de livro de História para Historiadores e/ou Professores. Concordo com a afirmação de que o brasileiro se interessa por História. Sempre que me informo que estudei História, as pessoas em geral acham “legal”! Muitos fazem perguntas. Talvez alguns ficaram com o “trauma” de estudar/pesquisar a história, pelo modo como foram tratados durante o Ensino Fundamental e Médio. Ainda bem, que existem autores que conseguem apagar esta imagem ruim da pesquisa e estudo da História.