O Jardim Secreto que trouxe cores a uma vida
Falta pouco para começar a novela das oito. Ela bate no meu quarto e me mostra radiante as últimas ilustrações coloridas do livro Jardim Secreto. Meses atrás, ela não faria isso, durante uma visita à minha casa. Talvez não quisesse me perturbar ou, de fato, não realizasse alguma atividade que lhe desse tanto orgulho. Sabe, as pessoas de mais idade, às vezes, têm a ideia de que não servem mais para nada. A doce ilusão de já terem feito tudo na vida e não terem mais nada para mostrar. Elas só serviriam para desfrutar das conquistas dos mais novos: filhos e netos. Bobagem!
Folheei o livro. As primeiras páginas apresentavam pouca variedade de cores, afinal, quando ganhou o Jardim Secreto, ela só tinha uma caixa com 12 lápis. O colorido é fraco, reflexo da fraqueza de suas mãos – uma já operada e outra que se recusa a fazer a cirurgia. No começo, ela pintou uma coruja toda de preto simplesmente porque uma coruja é preta. Quem vai discutir? O tempo foi passando e ela ganhou outros lápis. Pintou mais algumas páginas. Aprendeu que poderia brincar com as cores. Soltou a imaginação, e os jardins ficaram mais alegres.
Mais do que um passatempo, colorir se tornou uma companhia para uma senhora que mora sozinha e que, até pouco tempo, preenchia as horas do seu dia vendo novelas. É claro que, como uma mulher assumidamente “globete”, como ela mesma gosta de se definir, não abandonou a teledramaturgia, mas abriu as brechas ociosas do seu tempo livre para uma atividade inspiradora, que estimula a criatividade e a coordenação motora. A dedicação é tão grande que, de vez em quando, a flagramos (quando ela nos faz uma visita) em posições impróprias ou com pouca luz. Aí, não dá! Temos que chamar a atenção. Por melhor que seja a atividade, tudo em excesso faz mal.
Broncas à parte, uma coisa é inquestionável: agora, ela está mais reluzente. O brilho nos olhos transparece o orgulho das suas, porque não dizer, obras de arte. A satisfação é tamanha que ela faz questão de mostrar não uma, mas todas as páginas já coloridas para quem quer que seja.
Ela, a minha avó. Tem 86 anos e conseguiu, através das páginas de um livro, encontrar um novo hobby, algo inspirador que a deixasse realizada. Alguns podem até dizer que os livros de colorir são a “moda” da vez, mas que seja. Para outros, como a minha avó, eles preenchem a vida de cores e inspiração.
P.S: ela ficou tão motivada em me mostrar as suas ilustrações coloridas que quase perdeu o horário da novela.
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3 Comentários
Beatriz Iannini
Simplesmente lindo texto, descrevendo de uma forma carinhosa o que sua vó sentiu ao descobrir a arte. Mas não a arte de artista, e sim, a arte de conseguir receber e transmitir o prazer da imaginação, da nova descoberta, de uma maneira especial….
Maria Arminda
Excelente texto. Se é modismo ou não pouco interessa, o importante é a felicidade de sua avó.
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