O Escravo de Capela, de Marcos DeBrito | Resenha
“O Escravo de Capela”: o folclore nacional na sua versão mais aterrorizante
A cada chibatada, um grito de dor. Calafrios. Uma sensação de medo difícil de controlar. O sangue que corta o lombo do escravo castigado, mancha as páginas do livro e deixa a sua borda avermelhada. É forte. Cruel. Mas infelizmente faz parte da história do Brasil. O Escravo de Capela, de Marcos DeBrito, publicado pela Faro Editorial, retrata as nuances mais dolorosas do período colonial brasileiro, exaltando o que há de mais assustador no folclore nacional.
A obra resgata algumas crenças que deram origem a personagens conhecidos, como o saci-pererê e a mula sem cabeça, mas com uma abordagem mais sombria. Assim, o leitor é contemplado com uma história aterrorizante, repleta de ódio, dor e reviravoltas, que conta um pouco da nossa cultura. É de perder o fôlego!
O Escravo de Capela é uma livro aterrador. Não só porque traz um morto (no caso, escravo) que volta à vida sedento por vingança na caça aos seus malfeitores – aliás, esta pegada sobrenatural é a parte mais branda da trama, comparada à realidade da época. O mais aterrorizante, a meu ver, é a dura situação de vida – se é que podemos chamar assim – dos africanos que vieram forçados a trabalhar no Brasil. As precárias condições de saneamento, alimentação e trabalho, sem contar as torturas constantes, são o que dá mais aflição na trama, afinal, os detalhes sórdidos não são poupados.
A mescla da crueldade do período colonial brasileiro com lendas do folclore nacional em uma história que explora o medo é uma combinação intrigante. E tudo fica ainda mais fascinante pelo fato de o autor buscar nos registros históricos o horror que foi esquecido na representação do saci na atualidade. Ao resgatar os traços da cultura brasileira e associar esses mitos à literatura de terror, Marcos DeBrito mostra a riqueza do seu trabalho e encanta – quer dizer, aterroriza – o público.
O Escravo de Capela é uma obra histórica e, por isso, precisa ser bem contextualizada. Entretanto, em alguns momentos, ela poderia ser menos didática, tanto em relação aos fatos históricos quanto no andamento das cenas. Às vezes, vale mais uma nota de rodapé (no contexto histórico) do que tentar incluir certas explicações no meio do texto. Já os diálogos e as ações são tão fortes que alguns detalhes, que descrevem as emoções, poderiam estar implícitos. Não chega a ser um problema; está mais ligado a um estilo narrativo. Acredito que algumas omissões possam trazer uma maior fluidez à leitura – mas é só uma opinião pessoal.
A releitura da lenda do saci permite que uma nova versão da história atraia outro tipo de público – e eu me incluo nesse grupo. Tenho uma certa relutância por narrativas que abordam lendas brasileiras, confesso, e me envergonho um pouco disso. No entanto, fiquei imerso na leitura de O Escravo de Capela e acredito que não tenha sido apenas pela desenvoltura da escrita do autor. O problema, talvez, não seja o folclore em si, mas a forma como ele é abordado. Será que trazer novas roupagens para essas lendas – como Marcos fez – não seria interessante para expandir as peculiaridades da nossa cultura?
O Escravo de Capela é uma obra que fascina por completo. Afinal, quebra preconceitos a respeito do folclore nacional, provoca angústia com as cenas de tortura, trabalha de modo intrigante o sobrenatural e deixa o leitor sem ar com tamanhas reviravoltas e sede de vingança. Cumpre a cartilha de tudo o que a literatura de terror preza e, ainda por cima, retrata a história brasileira. É cruel? Fato! Porém, necessário.
Um comentário
Pingback: